segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

AS OBRAS DE DEUS


A Criação

Por que, como e quando Deus criou o universo?

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

Corno Deus criou o mundo? Será que criou diretamente cada espécie distinta de planta e animal ou será que usou algum tipo de processo evolutivo, orientando o desenvolvimento das coisas vivas, da mais simples a mais complexa? E em quanto tempo Deus realizou a criação? Será que tudo foi concluído dentro de seis dias de vinte e quatro horas ou será que usou milhares ou talvez milhões de anos? Qual a idade da terra, e qual a idade da raça humana?

Sempre deparamos com essas perguntas ao tratar da doutrina da criação. Ao contrário da maior parte do material anterior deste livro, este capítulo trata de diversas questões sobre as quais os cristãos evangélicos têm pontos de vista distintos, às vezes bem fortemente arraigados.

Neste capítulo passaremos dos aspectos da criação mais claramente explicados nas Escrituras, sobre os quais quase todos os evangélicos concordariam (criação a partir do nada, criação especial de Adão e Eva e a bondade do universo), aos aspectos da criação sobre os quais os evangélicos discordam (se Deus usou algum processo evolutivo para executar boa parte da criação, e qual a idade da terra e da raça humana).

Podemos definir assim a doutrina da criação: Deus criou todo o universo do nada; este era originariamente muito bom, e ele o criou para glorificar a si mesmo.

A. DEUS CRIOU O UNWERSO DO NADA

1. Provas bíblicas da criação a partir do nada. A Bíblia claramente demanda que acreditemos que Deus criou o universo do nada. (As vezes se usa a expressão latina ex nihilo, “do nada”; diz-se então que a Bíblia prega a criação ex nihilo.) Isso significa que antes de Deus principiar a criação do universo, nada existia além do próprio Deus.

Essa é a implicação de Gênesis 1.1, que diz: “No principio, criou Deus os céus e a terra”. A frase “os céus e a terra” abarca todo o universo. O salmo 33 também nos diz: “Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles [...] Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir” (Si 33.6, 9). No Novo Testamento, encontramos uma declaração universal no início do evangelho de João: Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez”(Jo 1.3). A melhor interpretação da expressão “todas as coisas” é “todo o universo” (cf. At 17.24; Hb 11.3). Paulo é bem explícito em Colossenses 1 quando especifica todas as partes do universo, as coisas visíveis e as invisíveis: “Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Cl 1.16). O cântico dos vinte e quatro anciãos no céu igualmente afirma essa verdade:

“Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas” (Ap 4.11).

Na última frase diz-se que a vontade de Deus foi a razão pela qual as coisas passaram afinal a “existir’ e pela qual “foram criadas”.

O fato de ter Deus criado os céus e a terra, e tudo o que neles há, é afirmado várias outras vezes no Novo Testamento. Por exemplo, Atos 4.24 fala de Deus como “Soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há” Uma das primeiras maneiras de identificar a Deus é dizer que ele criou todas as coisas. Barnabé e Paulo explicam à platéia pagã em Listra que são mensageiros de um “Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que há neles” (At 14.15). Do mesmo modo, quando Paulo fala aos filósofos gregos pagãos em Atenas, ele identifica o Deus verdadeiro como o “Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe” e diz que esse Deus “a todos dá vida, respiração e tudo mais” (At 17.24-25; cf. Is 45.18; Ap 10.6).

Hebreus 11.3 diz: “Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê não foi feito do que é visível” (NvI). Essa tradução espelha de modo bastante preciso o texto grego. Embora o texto não ensine exatamente a doutrina da criação do universo a partir do nada, chega perto disso, pois diz que Deus não criou o universo a partir de algo visível. A idéia um tanto canhestra de que o universo possa ter sido criado a partir de algo invisível provavelmente não passou pela cabeça do autor. Ele está contradizendo a idéia da criação a partir de matéria previamente existente, e para esse fim o versículo é bem claro.

Romanos 4.17 também implica que Deus criou do nada, ainda que não o afirme exatamente. O texto grego fala literalmente de Deus como aquele que “chama coisas não existentes como existentes”. A tradução da ARA, “chama à existência as coisas que não existem”, é incomum mas gramaticalmente possível, e faz uma afirmação explícita da criação a partir do nada. Porém, mesmo que traduzamos de modo que a palavra grega Fios assuma seu significado comum, “como”, o versículo diz que Deus “chama as coisas que não existem como existentes” (NASB mg.). Mas se Deus fala a algo que não existe (ou chama) como se de fato existisse, o que então está implícito? Se ele chama coisas que não existem como se existissem, o significado só pode ser que logo existirão, irresistivelmente chamadas à existência.

Como Deus criou todo o universo do nada, no universo não existe matéria eterna. Tu o que vemos — as montanhas, os oceanos, as estrelas, a própria terra — tudo veio a existir quando Deus o criou. Houve um tempo em que não existiam:

“Antes que os montes nascessem

e se formassem a terra e o mundo,

de eternidade a eternidade, tu és Deus” (SI 90.2).

Isso nos lembra que Deus rege todo o universo e que nada na criação deve ser adorado. Em lugar de Deus, ou além dele. Todavia, negando a criação a partir do nada, teríamos de afirmar que alguma matéria já existia e que é eterna como Deus. Tal idéia desafiaria a independência de Deus, sua soberania, e o fato de que só a ele devemos culto: se a matér existisse além de Deus, então que direito inato teria Deus de regê-la e usá-la para sua glória? E que certeza teríamos de que cada aspecto do universo irá no final cumprir os desígnios de Deus, se algumas partes dele não foram criadas por Deus?

O lado positivo do fato de ter Deus criado o universo do nada é que ele tem sentido e propósito. Deus, na sua sabedoria, o criou para algum fim. Devemos tentar compreender esse fim e usar a criação de modos que se conformem a esse fim, que é glorificar o próprio Deus. Além disso, sempre que a criação nos dá alegria (cf. lTm 6.17) devemos dar graças a Deus, que tudo fez.

2. A criação do universo espiritual. A criação de todo o universo abarca a criação de um reino de existência invisível e espiritual: Deus criou os anjos e outros tipos de seres celestiais, além dos animais e do homem. Também criou o céu como lugar onde a sua presença é especialmente evidente. A criação do reino espiritual está inequivocamente implícita em todos os versículos acima que afirmam que Deus criou não só a terra, mas também “o céu e tudo quanto nele existe” (Ap 10.6; cf. At 4.24), e está ainda explicitamente confirmada em vários outros versículos. A oração de Esdras diz bem claramente: “Só tu és SENHOR, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e tu os preservas a todos com vida, e o exército dos céus te adora” (Ne 9.6). O “exército dos céus” nesse versículo parece referir- se aos anjos e outras criaturas celestes, pois Esdras diz que eles se ocupam da atividade de adorar a Deus (o mesmo termo exército é usado para falar de anjos que adoram a Deus em Sl 103.21 e 148.2).b

No Novo Testamento, Paulo especifica que em Cristo “foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Cl 1.16; cf. Sl 148.2-5). Aqui a criação dos seres celestes invisíveis é também afirmada explicitamente.

3. A criação direta de Adão e Eva. A Bíblia também ensina que Deus criou Adão e Eva de um modo especial e pessoal. “Formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gn 2.7). Depois disso, Deus criou Eva do corpo de Adão: “Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com carne. E a costela que o SENHOR Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe” (Gn 2.21-22). Deus aparentemente fez que Adão soubesse algo do que acontecera, pois disse este:

“Esta, afinal, é osso dos meus ossos

e carne da minha carne;

chamar-se-á varoa,

porquanto do varão foi tomada” (Gn 2.23).

Como veremos abaixo, os cristãos divergem quanto à extensão da evolução que pode ter ocorrido após a criação, talvez (segundo alguns) levando ao desenvolvimento de organismos cada vez mais complexos. Embora entre alguns cristãos haja nesse ponto divergências defendidas com ardor a respeito dos reinos vegetal e animal, esses textos são tão explícitos que seria muito difícil alguém sustentar, com completa fidelidade às Escrituras, que os seres humanos são resultado de um longo processo evolutivo, isso porque quando a Bíblia diz que o Senhor “formou [...] ao homem do pó da terra” (Gn 2.7), não parece possível entender que ele o tenha feito por um processo que levou milhões de anos numa evolução aleatória de milhares de organismos cada vez mais complexos. Ainda mais difícil de harmonizar com urna visão evolutiva é o fato de essa narrativa claramente afirmar que Eva não tem mãe: foi criada diretamente da costela de Adão enquanto este dormia (Gn 2.21). Mas numa linha de raciocínio puramente evolutiva, isso não seria possível, pois mesmo a primeiríssima “mulher” descenderia de alguma outra criatura meramente humana, que então não passaria de um animal, O Novo Testamento reafirma a historicidade dessa criação especial de Eva a partir de Adão; diz Paulo: “Porque o homem não foi feito da mulher, e sim a mulher, do homem. Porque também o homem não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do homem” (iCo 11.8-9).

A criação especial de Adão e Eva mostra que, embora nos pareçamos com os animais em muitos aspectos do nosso corpo físico, somos, no entanto muito diferentes deles. Fomos criados “à imagem de Deus”, o pináculo da criação divina, mais semelhantes a Deus do que qualquer outra criatura, nomeados para reger o resto da criação. Até a brevidade do relato da criação em Gênesis enfatiza prodigiosamente a importância do homem como ser distinto do restante do universo. Resiste assim às tendências modernas de encarar o homem como ser insignificante diante da imensidão do universo. Derek Kidner observa que as Escrituras se erguem

contra toda tendência de esvaziar de significado a história humana [...] apresentando os impressionantes atos da criação como preliminar do drama que lentamente se desenrola ao longo da Bíblia, O prólogo acaba numa página; mil outras vêm a seguir.

Por outro lado, Kidner observa que a moderna explicação científica do universo, por ‘verdadeira que seja,

nos sobrecarregam de estatísticas que reduzem nossa aparente importância ao ponto da insignificância. Não o prólogo, mas a própria história humana é agora uma única página em mil, e todo o volume terrestre se perde em meio a milhões não catalogados.

As Escrituras nos dão a perspectiva da importância humana que Deus quer que tenhamos.

4. A criação do tempo. Outro aspecto da criação divina é a criação do tempo (a i cessão de momentos consecutivos). Essa idéia já foi discutida juntamente com o atributo divino da eternidade e aqui nos basta resumi-la. Quando falamos da existência de Deus “antes” da criação do mundo, não devemos pensar que Deus exististe ao longo de uma infindável extensão de tempo. Antes, a eternidade de Deus implica que ele vive uma espécie diferente de existência, uma existência sem passagem de tempo, uma espécie de existência que para nós é até difícil de imaginar. (VerJó 36.26; Sl 90.2, 4;Jo 8.58; 2Pe 3.8; Ap 1.8). O fato de Deus ter criado o tempo nos lembra sua soberania sobre ele e nossa obrigação de usá-lo com vistas à glória divina.

5. O papel do Filho e do Espírito Santo na criação. Deus Pai foi o agente primordial, ao iniciar o ato da criação. Mas o Filho e o Espírito Santo também estiveram ativos. O Filho é muitas vezes descrito como aquele “por intermédio de” quem se deu a criação. “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3). Paulo diz que há “um só Senhor,Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também, por ele” (1Co 8.6) e que “tudo foi criado por meio dele e para ele” (Cl 1.16). Lemos também que o Filho é aquele “pelo qual” Deus “fez o universo” (Hb 1.2). Essas passagens dão um retrato coerente do Filho como agente eficaz que executa os planos e as ordens do Pai.

O Espírito Santo também agiu na criação. Ele é geralmente retratado como aquele que conclui, preenche e dá vida à criação divina. Em Gênesis 1.2, “o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”, indicando Uma função preservadora, sustentadora e regente Diz Jó: “O Espírito de Deus me fez, e o sopro do Todo-Poderoso me dá vida” (Jó 33.4). Em várias passagens do Antigo Testamento, é importante perceber que a mesma palavra hebraica (rûach) pode significar, em contextos diferentes, “espírito”, “sopro” ou “vento”. Mas em muitos casos não há muita diferença de significado, pois mesmo que alguém resolvesse traduzir algumas expressões como “sopro de Deus” ou mesmo como “vento de Deus”, ainda assim seria um modo figurado de referir-se à atividade do Espírito Santo na criação. Portanto o salmista, ao falar da grande variedade de seres da terra e do mar, diz: “Envias o teu Espírito, eles são criados” (Sl 104.30; ver também, sobre a obra do Espírito Santo,Jó 26.13; Is 40.13; lCo 2.10). Porém, é escasso o testemunho das Escrituras quanto à atividade especifica do Espírito Santo na criação. A obra do Espírito Santo ganha muito mais relevo quando se pensa na inspiração dos autores das Escrituras e na aplicação da obra redentora de Cristo ao povo de Deus.

B. A CRIAÇÃO É DISTINTA DE DEUS, PORÉM SEMPRE DELE DEPENDENTE

O ensino bíblico a respeito do relacionamento entre Deus e a criação é único entre as religiões do mundo. A Bíblia ensina que Deus é distinto da sua criação. Não faz parte dela, pois ele a fez e a governa. O termo muitas vezes usado para dizer que Deus é muito maior do que a criação é transcendente. Simplificando bastante, isso significa que Deus está bem “acima” da criação, no sentido de que é maior do que a criação e independente dela.

Deus está também sobremaneira envolvido na criação, pois ela continuamente depende dele para existir e manter-se em atividade. O termo técnico usado para exprimir o envolvimento de Deus na criação é imanente, que significa “permanecer dentro” da criação. O Deus da Bíblia não é uma divindade abstrata distante e desinteressada da sua criação. A Bíblia é a história do envolvimento de Deus com a sua criação, especialmente com as pessoas. Jó afirma que até os animais e as plantas dependem de Deus: “Na sua mão está a alma de todo ser vivente e o espírito de todo o gênero humano” (Jó 12.10). No Novo Testamento, Paulo afirma que Deus “a todos dá vida, respiração e tudo mais” e que “nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.25, 28). De fato, em Cristo “tudo subsiste” (Cli. 17) e ele continuamente sustenta “todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hb 1.3). A transcendência e a imanência de Deus são afirmadas simultaneamente num mesmo versículo, quando Paulo fala de “um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Ef 4.6).

O fato de ser a criação distinta de Deus, porém sempre dependente dele, de estar Deus bem acima da criação, todavia sempre envolvido nela (resumindo, de ser Deus ao mesmo tempo transcendente e imanente), pode ser representado como na figura 15.1.

Isso se distingue claramente do materialismo, a filosofia mais comum entre os descrentes de hoje, que nega absolutamente a existência de Deus. O materialismo diria que o universo material é tudo o que existe. Pode ser representado como na figura 15.2.

A CRIAÇÃO É DISTINTA DE DEUS, PORÉM SEMPRE DEPENDENTE DE DEUS

(DEUS É AO MESMO TEMPO TRANSCENDENTE E IMANENTE)

Figura 15.1


Os cristãos que hoje concentram quase todos os seus esforços em ganhar mais dinheiro e acumular mais bens tornam-se materialistas “práticos” nas suas atividades, pois suas vidas não seriam muito diferentes se simplesmente não cressem em Deus.

MATERIALISMO

Figura 15.2


A explicação bíblica da relação de Deus com a sua criação também se distingue do panteísmo. A palavra grega pan significa “tudo” ou “todos”, e panteísmo é a idéia de que tudo, todo o universo, é Deus, ou faz parte de Deus. E possível retratar essa idéia como na figura 15.3.

O panteísmo nega vários aspectos essenciais do caráter de Deus. Se todo o universo é Deus, então Deus não tem personalidade distinta. Deus já não é imutável, pois quando o universo muda, Deus também muda. Além disso, Deus já não é santo, pois o mal do universo também faz parte de Deus. Outra dificuldade é que, em última análise, a maioria dos sistemas panteístas (como o budismo e muitas outras religiões orientais) acaba negando a importância das personalidades humanas: como tudo é Deus, a meta da pessoa deve ser fundir-se ao universo e cada vez mais unir-se a ele, perdendo assim a sua individualidade. Se o próprio Deus não tem identidade pessoal distinta do universo. certamente tampouco nós devemos nos esforçar por isso. Assim, o panteísmo destrói não só a identidade pessoal de Deus, mas também, em última análise, a dos seres humanos.

PANTEISMO

Figura 15.3


Qualquer filosofia que interprete a criação como “emanação” de Deus (ou seja, algo que procede de Deus mas permanece parte de Dèus, inseparável dele) seria semelhante ao panteísmo na maioria ou mesmo em todos os modos nos quais os aspectos do caráter divino são negados.

A explicação bíblica também afasta a hipótese do dualismo, que é a idéia de que Deus e o universo material existem eternamente lado alado. Assim, existem duas forças supremas no universo: Deus e a matéria. Pode-se representar essa idéia como na figura 15.4.

DUALISMO

Figura 15.4

O problema do dualismo é que ele sugere um conflito eterno entre Deus e os aspectos malignos do universo material. Irá Deus triunfar do mal no universo? Não podemos ter certeza disso, pois Deus e o mal aparentemente sempre existiram lado a lado. Essa filosofia nega a soberania absoluta de Deus sobre a criação e também que a criação veio a existir por causa da vontade divina, que deve ser usada exclusivamente para os desígnios divinos e que existe para glorificá-lo. Esse ponto de vista também nega que todo o universo foi criado inerentemente bom (Gn 1.31) e incentiva as pessoas a enxergar a realidade material como algo mau em si mesmo, em vez de uma explicação bíblica genuína da criação, que Deus fez boa e rege segundo os seus desígnios.

Um recente exemplo de dualismo na cultura moderna é a série de filmes Guerra nas Estrelas, que postula a existência de uma “Força” universal, que tem um lado bom e outro mau. Aí não existe o conceito de um Deus santo e transcendente que tudo governa e que certamente triunfará de tudo. Quando os não cristãos de hoje passam a se dar conta de um aspecto espiritual do universo, muitas vezes se tornam dualistas, reconhecendo meramente que existem aspectos bons e maus no mundo sobrenatural ou espiritual. A maioria das religiões da “Nova Era” é dualista. E claro que Satanás exulta ao ver gente pensando que no universo existe uma força má, equivalente talvez ao próprio Deus.

A visão cristã da criação também difere do ponto de vista do deísmo. Deísmo é a idéia de que Deus não está envolvido diretamente na criação. Pode ser representado como na figura 15.5.

DEISMO

Figura 15.5


O deísmo geralmente defende que Deus criou o universo e é bem maior do que ele (Deus é “transcendente”). Alguns deistas também admitem que Deus tem parâmetros morais e irá exigir prestação de contas no dia do juízo. Mas negam que Deus esteja atualmente envolvido no mundo, eliminando assim a possibilidade da imanência divina na ordem criada. Antes, Deus é encarado como um relojoeiro divino que dá corda ao “relógio” da criação no início, mas depois deixa que ele funcione sozinho.

Embora o deísmo afirme de fato a transcendência divina em alguns aspectos, nega quase toda a história bíblica, que é a história do envolvimento ativo de Deus no mundo. Hoje, muitos cristãos “mornos” ou de fachada são, na prática, deístas, pois vivem quasetotalmente alheios á genuína oração, à adoração, ao temor de Deus ou à confianc contínua em que Deus vã atender as necessidades que surgirem.

C. DEUS CRIOU O UNIVERSO PARA REVELAR A SUA GLÓRIA

É evidente que Deus criou seu povo para a sua própria glória, pois ele fala dos set filhos e fflhas como aqueles “que criei para minha glória, e que formei, e fiz” (Is 43.7). Mas Deus não criou para seus desígnios somente os seres humanos. Toda a criação tem p meta revelar a glória de Deus. Mesmo a criação inanimada — as estrelas, o sol, a lua e o firmamento — dá testemunho da grandeza de Deus. “Os céus proclamam a glória de Deus. e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite” (Si 19.1-2). O cântico de adoração celestial em Apocalipse 4 vincula o fato de ter Deus criado todas as coisas com o ser ele digno de receber glória por elas:

“Tu és digno, Senhor e Deus nosso,

de receber a glória, a honra e o poder,

porque todas as coisas tu criaste,

sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas” (Ap 4.11).

O que a criação revela sobre Deus? Antes de tudo, mostra o grande poder e a grande sabedoria de Deus, bem acima de qualquer coisa que qualquer criatura possa imaginar.’ “O SENHOR fez a terra pelo seu poder; estabeleceu o mundo por sua sabedoria e com a sua inteligência estendeu os céus” (Jr 10.12). Em contraste com os homens ignorantes e os ídolos “sem valor” que eles fazem, diz Jerernias: “Não é semelhante a estas Aquele que é a Porção de Jacó; porque ele é o Criador de todas as coisas [ SENHOR dos Exércitos é o seu nome” (Jr 10.16). Basta olhar de relance o sol ou as estrelas para se convencer do infINito poder de Deus. E mesmo uma breve inspeção em qualquer folha de árvore, ou no prodígio da mão humana, ou em qualquer célula viva, convence-nos da grande sabedoria divina. Quem poderia fazer tudo isso? Quem poderia fazê-lo do nada? Quem poderia sustentá-lo dia após dia, por incontáveis anos? Tal poder infinito, tal complexa capacidade, está absolutamente além da nossa compreensão. Quando meditamos nisso, damos glória a Deus.

Quando afirmamos que Deus criou o universo para revelar a sua glória, é importante perceber que ele não precisava fazê-lo. Não devemos pensar que Deus precisava de mais glória do que já tinha dentro da Trindade por toda a eternidade, ou que ele estava de algum modo incompleto sem a glória que receberia do universo criado. Isso seria negar a independência de Deus e implicaria que Deus necessita do universo para ser plenamente Deus.’ Antes, devemos afirmar que a criação do universo foi um ato totalmente voluntário da parte de Deus. Não foi um ato necessário, mas algo que Deus decidiu fazer. “Todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas” (Ap 4.11). Deus desejou criar o universo para demonstrar a sua excelência. A criação revela a grande sabedoria e o grande poder divinos, e em Última análise revela também todos os seus outros atributos.’ Parece que Deus criou o universo, então, para deleitar-se com a sua criação, pois ele se deleita com ela justamente porque a criação revela aspectos diversos do caráter divino.

Isso explica por que nós mesmos temos espontâneo prazer em todos os tipos de atividades criativas. Gente dotada de talento artístico, musical ou literário gosta de criar coisas e ver, ouvir ou apreciar sua obra criativa. E um dos aspectos impressionantes da humanidade — diferentemente do restante da criação — é a capacidade de criar coisas novas. Isso também explica por que temos prazer em outros tipos de atividade “criativa”: muita gente gosta de cozinhar, de decorar a casa ou de trabalhar com madeira ou outros materiais, ou ainda de produzir invenções científicas ou de conceber novas soluções para problemas na produção industrial. Toda criança gosta de colorir ilustrações ou construir casinhas com blocos de montar. Em todas essas atividades espelhamos em pequena medida a atividade criadora de Deus, e nisso devemos encontrar prazer, dando graças a ele.

D. O universo que Deus criou era “muito bom”

Esse ponto é a seqüência do ponto anterior. Se Deus criou o universo para mostrar a sua glória, então devemos esperar que o universo cumpra o propósito para o qual ele o criou. De fato, quando Deus terminou a sua obra de criação, ele teve prazer nela. No final de cada estágio da criação, Deus viu que o que ele havia feito era bom (Gn 1.4,10,12,18,21,25). Então, no final dos seis dias da criação, “...Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom” (Gn 1.3 1). Deus teve prazer na criação que ele havia feito exatamente como havia proposto fazer.

Mesmo havendo pecado no mundo agora, a criação material é ainda boa à vista de Deus e deveria ser vista como “boa” por nós também. Esse conhecimento vai nos livrar de um ascetismo falso que vê o uso e o prazer da criação material como errado. Paulo diz que “... tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração” (lTm 4.4,5).

Embora a ordem criada possa ser usada de modos pecaminosos ou egoístas, e possa desviar de Deus o nosso afeto, assim mesmo não devemos deixar que o perigo do mau uso da criação divina nos afaste de um uso positivo, grato e alegre dela, para deleite nosso e para o bem do reino de Deus. Pouco depois de Paulo alertar sobre o desejo de ser rico e sobre o “amor do dinheiro” (lTm 6.9-10), ele afirma que é o próprio Deus “que tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento” (lTm 6.17). Esse fato autoriza os cristãos a estimular o correto desenvolvimento industrial e tecnológico (ao lado do cuidado ambiental) e o uso alegre e grato de todos os produtos da terra abundante que Deus criou — tanto por nós mesmos quanto por aqueles com quem devemos partilhar generosamente os nossos bens (repare lTm 6.18). No entanto, em tudo isso devemos lembrar que os bens materiais são apenas temporários, não eternos. Devemos depositar s nossas esperanças em Deus (ver Si 62.10; lTm 6.17) e na vinda de um reino que não ode ser abalado (Cl 3.1-4; Hb 12.28; iPe 1.4).

FONTE: GRUNDEM, Wayne, Teologia Sistemática, São Paulo, Edições Vida Nova, 1999. pp 198 - 207

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A Providência Divina

Se Deus controla todas as coisas, será que nossos atos podem ter significado real? Quais s os decretos de Deus?

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA

Quando entendemos que Deus é o Criador todo-poderoso, parece sensato concluir que ele também preserva e governa tudo no universo. Embora o termo providência não se encontre nas Escrituras, tem sido tradicionalmente usado para resumir a contínua relação de Deus com a sua criação. Quando aceitamos a doutrina bíblica da providência, evitamos quatro erros comuns na concepção do relacionamento de Deus com a criação. A doutrina bíblica não é o deísmo (que ensina que Deus criou o mundo e depois, essencialmente, abandonou-o) nem o panteísmo (que prega que a criação não tem uma existência real e distinta em si mesma, mas meramente faz parte de Deus), mas a providência, que ensina que embora Deus, em todos os momentos, se relacione e se envolva ativamente com a criação, esta é distinta dele. Além disso, a doutrina bíblica não ensina que os acontecimentos da criação são determinados pelo acaso (ou casualidade), nem são eles determinados por um destino impessoal (ou determinismo), mas por Deus, que é o Criador e Senhor pessoal, porém infinitamente poderoso.

Podemos definir assim a providência divina: Deus está continuamente envolvido com todas as coisas criadas de forma tal que (1) as preserva como elementos existentes, que conservam as propriedades com que ele os criou; (2) coopera com as coisas criadas em cada ato, dirigindo as suas propriedades características afim de fazê-las agir como agem; e (3) as orienta no cumprimento dos seus propósitos.

Dentro da categoria geral da providência temos três subtópicos, segundo os três elementos da definição acima: (1) Preservação, (2) Cooperação e (3) Governo.

Examinaremos cada um desses separadamente, para depois analisar as idéias divergentes e as objeções à doutrina da providência. E importante observar que essa é na doutrina em que se nota substancial desacordo entre os cristãos desde os primórdios a história da igreja, especialmente com respeito à relação de Deus com as decisões volitivas dos seres morais. Neste capítulo apresentaremos antes de tudo um resumo do ponto de vista defendido neste livro (a posição comumente dita “reformada” ou “calvinista.”),’ para depois considerar os argumentos em favor da outra posição (comum chamada “arminiana”).

A. PRESERVAÇÃO

Deus preserva todas as coisas criadas como elementos existentes, que conservam propriedades com que ele os criou.

Hebreus 1.3 nos diz que Cristo está “sustentando todas as coisas pela palavra do poder”. A palavra grega traduzida como “sustentando” é pherõ (ferw), “carregar, suportar”. É usada comumente no Novo Testamento com o sentido de carregar algo de um lugar p outro, como nos seguinte exemplos: Lucas 5.18 (levar um paralítico num leito até Jesus João 2.8 (levar vinho ao encarregado do banquete) e 2Timóteo 4.13 (levar uma capa livros para Paulo). Não significa simplesmente “sustentar”, mas encerra a idéia de contra ativo e deliberado da coisa que se carrega de um lugar a outro. Em Hebreus 1.3, o u do gerúndio indica que Jesus está “continuamente carregando consigo todas as coisas” i universo pela palavra do seu poder. Cristo está ativamente envolvido na obra da providência.

Do mesmo modo, em Colossenses 1.17, Paulo diz de Cristo que “nele, tudo subsiste’. O termo “tudo” se refere a cada coisa criada do universo (ver v. 16), e o versículo afirma que Cristo mantém a existência de todas as coisas — nele, elas continuam a existir ou a “perdurar” (NASU mg.). Os dois versículos indicam que se Cristo interrompesse a sua contínua atividade de sustentação de todas as coisas do universo, tudo exceto o Deus triúno instantaneamente deixaria de existir. Isso também é ensinado por Paulo, quando diz que “nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.2 8), e por Esdras: “Só tu es SENHOR, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto há neles; e tu os preservas a todos com vida, e o exército dos céus te adora” (Ne 9.6). Pedro também diz que “os céus que agora existem e a terra” estão “reservados para o Dia do juízo” (2Pe 3.7).

Um aspecto da providencial preservação divina é o fato de ele continuamente nos dar a respiração, a cada momento. Eliú, na sua sabedoria, diz que “Se Deus pensasse apenas em si mesmo e para si. recolhesse o seu espírito e o seu sopro, toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o pó” (Jó 34.14- 15; cf. Si 104.29).

Deus, ao preservar todas as coisas que fez, também as faz conservar as propriedades com que as criou. Deus preserva a água de forma tal que continue sendo água. Faz a grama continuar sendo grama, com todas as suas características distintivas. Faz o papel em que esta frase está escrita continuar a ser papel, de modo que não se dissolva espontaneamente em água e se perca flutuando, nem se transforme numa coisa viva e comece a crescer! Até que sofra a ação de outra parte da criação, tendo portanto alteradas as suas propriedades (por exemplo, quando queimado com fogo e transformado em cinzas), esse papel continuará a ser papel, contanto que Deus preserve a terra e a criação que ele fez.

Não devemos, porém, conceber a preservação divina como uma contínua nova criação: ele não cria continuamente novos átomos e moléculas para cada coisa existente a cada momento. Antes, preserva o que já foi criado: “carrega consigo todas as coisas” pela sua palavra de poder” (Hb 1.3, tradução do autor). Devemos considerar ainda que as coisas criadas são reais, e suas características, também reais. Não imagino apenas que a pedra que seguro na mão é dura — ela é dura. Se bato na cabeça com ela, não imagino apenas que machuca — machuca mesmo! Como Deus preserva essa pedra conservando as propriedades com que a criou, ela é dura desde o dia em que foi formada e (a menos que outra coisa criada aja sobre ela e a modifique) será dura até o dia em que Deus destruir os céus e a terra (2Pe 3.7, 10-12).

A providência divina proporciona fundamento para a ciência: Deus fez e continua a sustentar um universo que age de maneiras previsíveis. Se um experimento científico dá determinado resultado hoje, podemos confiar em que (se todos os fatores forem os mesmos) dará o mesmo resultado amanhã e daqui a cem anos. A doutrina da providência também fornece fundamento para a tecnologia: posso ter certeza de que a gasolina fará meu carro rodar hoje, assim como o fez ontem, não simplesmente porque “sempre funcionou assim”, mas porque a providência divina sustém o universo, no qual as coisas criadas conservam as propriedades com que ele as fez, O resultado pode ser semelhante na vida de um descrente como na vida de um cristão: ambos colocamos gasolina no carro e saímos dirigindo. Mas ele o fará sem saber a razão última por que a coisa funciona assim, e eu o farei com o conhecimento da verdadeira razão última (a providência divina) e com gratidão ao meu Criador pela maravilhosa criação que ele fez e preserva.

B. COOPERAÇÃO

Deus coopera com as coisas criadas em cada ato, dirigindo as suas propriedades características a fim de fazê-las agir como agem.

Esse segundo aspecto da providência, a cooperação, é uma ampliação da idéia contida no primeiro aspecto, a preservação. De fato, alguns teólogos (como João Calvino) tratam o fato da cooperação dentro da categoria da preservação, mas vale a pena tratá-lo como categoria distinta.

Em Efésios 1.11, Paulo diz que Deus “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. A palavra traduzida por “faz” (energcõ) indica que Deus “elabora” ou “realiza” todas as coisas segundo a sua própria vontade. Evento nenhum da criação escapa à sua providência. Logicamente esse fato fica oculto aos nossos olhos a menos que o leiamos nas Escrituras. A exemplo da preservação, a obra divina de cooperação não é claramente patente apenas pela observação do mundo natural que nos cerca.

Com o intuito de apresentar provas bíblicas da cooperação, começamos pela criação inanimada, depois passamos aos animais e finalmente abordamos os diferentes tipos de acontecimentos da vida dos homens.

1. A criação inanimada. Há muitas coisas na criação que concebemos como ocorrências meramente “naturais”. Contudo, as Escrituras afirmam que Deus as faz acontecer. Lemos que “fogo e saraiva, neve e vapor e ventos procelosos [...] lhe executam apalavra” (Sl 148.8). Igualmente,

Ele diz à neve Cai sobre a terra;

e à chuva e ao aguaceiro: Sede fortes.

[...] Pelo sopro de Deus se dá a geada,

e as largas águas se congelam.

Também de umidade carrega as densas

nuvens, nuvens que espargem os relâmpagos.

Então, elas, segundo o rumo que ele dá, se espalham

para uma e outra direção.

para fazerem tudo o que lhes ordena

sobre a redondeza da terra.

E tudo isso faz ele vir para disciplina, se convém à terra,

ou para exercer a sua misericórdia.

(Jó 37.6-13; c.f afirmações semelhantes em 38.22-30)

Ainda, o salmista declara que “Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Si 135.6), e depois, na frase seguinte, exemplifica como Deus impõe a sua vontade ao clima: “Faz subir as nuvens dos confins da terra, faz os relâmpagos para a chuva, faz sair o vento dos seus reservatórios” (SI 135.7; cf. 104.4).

Deus também faz a relva crescer: ‘ crescera relva para os animais e as plantas, para o serviço do homem, de sorte que da terra tire o seu pão” (Sl 104.14). Deus dirige estrelas dos céus, perguntando a Jó: “... Poderás [...] fazer aparecer os signos do Zodíaco ou guiar a Ursa com seus filhos?” (Jó 3 8.32; a “Ursa”, ou a Ursa Maior, é também chamada Carro de Davi; o v. 31 se refere às constelações das Plêiades e de Orion). Além disso, Deus dirige de contínuo o surgimento da manhã (Jó 3 8.12), fato que Jesus afirmou ao dizer que Deus ‘faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5.45).

2. Os animais. As Escrituras afirmam que Deus alimenta os animais selvagens do campo, pois “todos esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se fartam de bens. Se ocultas o rosto, eles se perturbam (Sl 104.27-29; cf.Jó 38.39-41).Jesus também afirmou isso ao dizer: “Observai as aves do céu E[...] vosso Pai celeste as sustenta”(Mt 6.26). E ele disse que nenhum pardal “cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai” (Mt 10.29).

3. Acontecimentos aparentemente “aleatórios” ou “casuais”. De um ponto de vista humano, o ato de lançar sortes (ou seu equivalente moderno, jogar dados ou tirar cara ou coroa) é o mais típico dos eventos aleatórios que ocorrem no universo. Mas a Bíblia afirma que o resultado desse evento provém de Deus: “A sorte se lança no regaço, mas do SENHOR procede toda decisão” (Pv 16.33).2

4. Eventos totalmente provocados por Deus e totalmente provocados também pelas criaturas. Para todos os eventos anteriores (a chuva e a neve, o crescimento da relva, o sol e as estrelas, o sustento dos animais ou o lançar sortes), poderíamos (pelo menos em teoria) dar uma explicação “natural” absolutamente satisfatória. Um botânico pode detalhar os fatores que fazem a relva crescer, como o sol, a umidade, a temperatura, os nutrientes do solo, etc. Porém dizem as Escrituras que Deus faz a relva crescer. Um meteorologista pode dar uma explicação completa dos fatores que provocam a chuva (umidade, temperatura, pressão atmosférica, etc.) e pode até produzir chuva num laboratório de meteorologia. Dizem, porém, as Escrituras que Deus provoca a chuva. Um físico, munido de informações precisas sobre a força e a direção com que um par de dados foi jogado poderia explicar plenamente o que fez os dados darem o resultado que deram — porém dizem as Escrituras que a Deus pertence a decisão da sorte lançada.

Isso nos mostra que é errado pensar que, se conhecemos a causa “natural” de algo deste mundo, então não é Deus quem o provoca. Antes, se chove devemos agradecer a ele. Se a plantação cresce, devemos graças a ele. Em tudo isso, não é como se o evento fosse parcialmente provocado por Deus e parcialmente por fatores do mundo criado. Se assim fosse, então estaríamos sempre buscando alguma modesta característica de um evento, característica que não pudéssemos explicar, para atribuí-la (1 por cento da causa, digamos) a Deus. Mas essa, certamente, não é uma idéia correta. Em vez disso, essas passagens afirmam que tais eventos são integralmente provocados por Deus. Porém, sabemos que (noutro sentido) são também integralmente provocados pelos fatores da criação.

A doutrina da cooperação afirma que Deus dirige as propriedades distintivas de cada coisa criada e age por intermédio delas, de modo que essas coisas mesmas gerem os resultados que vemos. Assim é possível afirmar que em certo sentido os eventos são totalmente (100 por cento) causados por Deus e totalmente (100 por cento) também causados pelas criaturas. Todavia, as causas divinas e das criaturas agem de modos diferentes. A causa divina de cada evento age como causa invisível, diretiva e subjacente e, portanto, pode ser chamada «causa primária”, que planeja e inicia tudo o que acontece. Mas a coisa criada gera os atos de modos compatíveis com as suas propriedades, modos que podem muitas vezes ser descritos por nós ou por cientistas profissionais que observem os processos com meticulosidade. Esses fatores e propriedades das criaturas podem portanto ser chamados causas “secundárias” de tudo o que acontece, ainda que sejam as causas que se nos revelam patentes pela observação.

5. As questões nacionais. As Escrituras também falam do controle providencial divino das questões humanas. Lemos que Deus “multiplica as nações e as faz perecer; dispersa-as e de novo as congrega” (Jó 12.23). “Pois do SENHOR é o reino, é ele quem governa as nações” (Sl 22.2 8). Ele já determinou o tempo de existência e o lugar de cada nação na terra, pois Paulo diz: [Deus] “de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação” (At 7.26; cf. 14.16). E quando Nabucodonosor se arrependeu, aprendeu a louvar a Deus:

Louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre,

cujo domínio é sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada;

e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu

e os moradores da terra;

não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer:

Que fazes? (Dn 4.34-35)

6. Todos os aspectos da nossa vida. É surpreendente ver até que ponto as Escrituras atribuem a Deus os vários eventos da nossa vida. Por exemplo, nossa dependência de Deus para o alimento de cada dia é afirmada cada vez que oramos “O pão nosso de cada dá-nos hoje” (Mt 6.11), ainda que trabalhemos pelo nosso alimento e (até onde a mera observação humana pode alcançar) o obtenhamos por meio de causas totalmente naturais”. Do mesmo modo, Paulo, mirando as coisas com os olhos da fé, afirma que “o meu Deus [...] há de suprir [...] cada uma de vossas necessidades” (Fp 4.19), mesmo que usem meios “comuns” (como, por exemplo, outras pessoas) para fazê-lo.

Deus planeja os nossos dias antes mesmo que nasçamos, pois afirma Davi: “No teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Si 139.16). E Jó diz que “os seus dias [do homem] estão contados, contigo está o número dos seus meses; tu ao homem puseste limites além dos quais não passará» (Jó 14.5). Isso se pode ver na vida de Paulo, que diz que Deus “me separou antes de eu nascer” (Gl 1.15), e de Jeremias, a quem disse Deus: “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” (Jr 1.5).

Todas as nossas ações dependem do cuidado providencial de Deus, pois “nele vivemos, e nos movemos” (At 17.2 8). Cada passo que damos diariamente é dirigido pelo Senhor.Jeremias confessa: «Eu sei, ó SENHOR, que não cabe ao homem determinar o seu caminho, nem ao que caminha o dirigir os seus passos” (Jr 10.23). Lemos que “os passos do homem são dirigidos pelo SENHOR” (Pv 20.24) e que “o coração do homem traça o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os passos” (Pv 16.9). Do mesmo modo, Provérbios 16.1 afirma: “O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do SENHOR”.

O sucesso e o fracasso provém de Deus, pois lemos: “Porque não é do Oriente, não é do Ocidente, nem do deserto que vem o auxílio. Deus é o juiz; a um abate, a outro exalta” (Si 75.6-7). Portanto Maria pôde dizer que Deus “derribou do seu trono os poderosos e exaltou os humildes” (Lc 1.52). O SENHOR dá os filhos, pois eles são “herança do SENHOR [...] o fruto do ventre, seu galardão” (Si 127.3).

Todos os nossos talentos e capacidades provêm do Senhor, pois Paulo pergunta aos coríntios: “E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1 4.7). Davi sabia que sua destreza militar era dádiva de Deus, pois, embora ele certamente dedicasse muitas horas ao treino do uso do arco e flecha, disse de Deus: “Ele adestrou as minhas mãos para o combate, de sorte que os meus braços vergaram um arco de bronze” (Si 18.34).

Deus influencia os governantes nas suas decisões, pois “Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu querer, o inclina” (Pv 21.1). Exemplo disso foi quando o Senhor mudou “o coração do rei da Assíria” a favor do seu povo, “para lhes fortalecer as mãos na obra da Casa de Deus, o Deus de Israel” (Ed 6.22), ou quando “despertou o SENHOR o espírito de Ciro, rei da Pérsia” (Ed 1.1) para ajudar o seu povo de Israel. Mas não é só o coração do rei que Deus influencia, pois ele “observa todos os moradores da terra” e “forma o coração de todos eles” (SI 33.14- 15). Se nos damos conta de que nas Escrituras o coração é a sede dos nossos pensamentos e desejos mais íntimos, a passagem cresce em importância. Deus orienta especialmente os desejos e as inclinações dos crentes, efetuando em nós “tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).

Todas essas passagens, que fazem afirmações genéricas sobre a obra divina na vida de todas as pessoas e que também dão exemplos específicos da obra de Deus na vida de cada um, levam-nos a concluir que a obra providencial divina de cooperação inclui todos os aspectos da nossa vida. Nossas palavras, nossos passos, nossos movimentos, nosso coração, nossa capacidade — tudo provêm do Senhor.

Mas importa evitar uma compreensão equivocada. Aqui também, como no caso da criação inferior, a direção providencial de Deus como “causa primária”, invisível, subjacente, não nos deve fazer negar a realidade das nossas decisões e ações. As Escrituras repetidamente afirmam que realmente fazemos acontecer os eventos. Somos importantes e responsáveis. Temos de fato escolhas, e essas escolhas são reais e nos trazem resultados reais. As Escrituras também afirmam insistentemente essas verdades. Assim como a pedra é realmente dura porque Deus a fez dotada da propriedade da dureza, assim como a água é realmente úmida porque Deus a fez dotada da propriedade da umidade, assim como as plantas são realmente vivas porque Deus as fez dotadas da propriedade da vida, também nossas escolhas são escolhas reais e têm de fato efeitos importantes, pois Deus nos fez de modo tão maravilhoso que quis nos agraciar com a propriedade da escolha pela vontade.

Um dos modos de considerar essas passagens sobre a cooperação de Deus é dizer que, se nossas escolhas são reais, não podem ser causadas por Deus (ver abaixo uma análise mais aprofundada desse ponto de vista). Mas o numero de passagens que afirmam esse controle providencial de Deus é tão considerável, e as dificuldades envolvidas em dar-lhes alguma outra interpretação são tão insuperáveis, que essa não me parece a maneira correta de abordá-las. Parece melhor afirmar que Deus faz todas as coisas que acontecem, mas ele o faz de maneira tal que de algum modo garante nossa capacidade de tomar decisões voluntárias, responsáveis, decisões que tragam resultados reais e eternos, e pelas quais somos responsáveis. As Escrituras não nos explicam exatamente como Deus combina o seu controle providencial com as nossas decisões voluntárias e significativas. Mas em vez de negar üm ou outro aspecto (simplesmente por não conseguirmos explicar como ambos podem ser verdadeiros), devemos aceitar os dois numa tentativa de ser fiéis ao ensinamento de toda a Bíblia.

A analogia do dramaturgo que escreve uma peça pode-nos ajudar a compreender como ambos os aspectos podem ser verdadeiros. Na peça shakespeariana Macbeth, o personagem Macbeth assassina o rei Duncan. Ora (supondo por enquanto que esse é um relato de ficção), pode-se perguntar: “Quem matou o rei Duncan?” Em certo sentido, a resposta correta é “Macbeth”. No contexto da peça ele executou o assassinato e corretamente deve levar a culpa. Mas, noutro sentido, a resposta correta seria “William Shakespeare”, pois foi ele quem escreveu a peça, ele quem criou todos os personagens, ele quem escreveu a parte em que Macbeth mata o rei Duncan.

Não seria correto dizer que, porque Macbeth matou o rei Duncan, William Shakespeare não o matou. Tampouco seria correto dizer que, porque William Shakespeare matou o rei Duncan, Macbeth não o matou. Ambas as proposições são verdadeiras. No plano dos personagens da peça, Macbeth é plenamente (100 por cento) responsável pela morte do rei Duncan, mas no plano do autor da peça, William Shakespeare é plenamente (100 por cento) responsável pela morte do rei Duncan. De modo semelhante, podemos entender que em certo sentido Deus é plenamente responsável pela realização das coisas, e que noutro sentido nós também somos plenamente responsáveis pela realização das coisas (como criaturas).

Logicamente, alguém poderia contrapor que a analogia na verdade não resolve o problema, pois os personagens de uma peça não são pessoas reais; são somente personagens sem nenhuma liberdade própria, nenhuma capacidade de tomar decisões genuínas e assim por diante. Mas, contrapondo, podemos destacar que Deus é infinitamente maior e mais sábio do que nós. Embora nós, criaturas finitas que somos, possamos criar apenas personagens de ficção numa peça, e não pessoas reais, Deus, nosso Criador infinito, fez um mundo de verdade e nele nos criou como pessoas reais, tomam decisões voluntárias. Dizer que Deus não poderia criar um mundo no qual nos tomar decisões voluntárias (como alguns argumentam hoje; ver discussão abaixo) é simplesmente limitar o poder de Deus. Essa concepção também parece negar grande numero de passagens bíblicas.

FONTE: GRUNDEM, Wayne, Teologia Sistemática, São Paulo, Edições Vida Nova, 1999.

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